domingo, setembro 26, 2004

SINAL VERDE PARA O DESENVOLVIMENTO

«Não é possível discutir o país sem discutir o território, o ordenamento, o ambiente e o património.» (Jorge Sampaio, Revista do Expresso de 4 Setembro 2004)
Nem de propósito! Esta frase, e a entrevista que a desenvolve, pode enquadrar as perspectivas lançadas, no jornal que gentilmente me acolhe, sobre desenvolvimento harmónico e promessas eleitorais. Na perspectiva do Presidente da República, que quero aqui secundar, existem duas ideias-chave, sem as quais o desenvolvimento regional e local não é possível: solidariedade, e concertação. Solidariedade, porque o espaço já não é o que era no século XX. Concertação entre os vários agentes da sociedade, quer entre os vários níveis de administração, governantes e autarcas, quer entre estes e a dita «sociedade civil», associações empresariais, instituições de ensino, sindicatos, instituições de solidariedade social, associações de desenvolvimento, técnicos e intelectuais. Tendo em mente as palavras do PR, procurarei abordar a perspectiva ética da sustentabilidade dos recursos naturais regionais, densificando a ideia de solidariedade, sem deixar de apontar, integrando a ideia de concertação, algumas directivas do que poderá ser um sinal verde das governações vindouras para esta dimensão da modernidade.Ora, é-me de cristalina evidência que não pode haver desenvolvimento harmónico sem uma política sustentada. Mas uma sustentabilidade, e isto não tem sido afirmado, que se procura quer quanto aos recursos naturais quer quanto aos recursos financeiros. Daí, ser premente a necessidade de concertação entre aquilo que tende a ser a visão do poder político activo e uma solidariedade da comunitas quanto aos objectivos a prosseguir. Ao contrário de muitas sociedades humanas mais estáveis, orientadas pela tradição, o nosso sistema político e cultural moderno tem grande dificuldade em reconhecer valores de longo prazo. É pública a tese, e infelizmente a praxis tem-na confirmado, de que os políticos, na sua maioria, são notórios por não olharem para além da eleição seguinte, e que, mesmo que o façam, terão logo os seus conselheiros a dizer-lhes que se deve descontar de tal modo o que se venha a ganhar no futuro que o melhor é mesmo ignorá-lo (a famosa taxa da redução). No entanto, do ponto de vista dos valores sem preço e intemporais do meio natural, a aplicação de uma taxa de redução dá-nos uma perspectiva errada. Há coisas que, uma vez perdidas, nenhum dinheiro do mundo pode reconquistar. O bem estar individual e a protecção da natureza são dois valores intrínsecos, independentes da utilidade do mundo não humano para as finalidades humanas. Considerando que na ponderação dos interesses em causa concluímos que os políticos não têm direito de reduzir aquele segundo valor em favor do primeiro excepto para satisfazer necessidades vitais, pior estaremos se além do desprezo pela natureza se despreza a qualidade de vida do cidadão. Como tal, não posso deixar de apontar o dedo àqueles que, elegendo o desenvolvimento harmónico como húmus autonómico, procuram no betão, polvilhado pelas nove ilhas, um sinónimo de progresso, sem antes definirem uma estratégia para a sua sustentabilidade.Considerando que já ninguém questiona que negar o azul do mar ou o verde da vegetação a um Açoriano é negá-lo no seu presente e no seu futuro, a pergunta que se impõe será, pois: Quem se responsabilizará perante as gerações futuras?Esta nova dimensão, e para que não me acusem de teórico, pode, também passar pelas 25 ideias que aqui deixo. Poucas novas, algumas esquecidas, mas todas fundadas na qualidade de vida e na sustentabilidade ambiental, podendo fundamentar uma governação para os próximos anos sem vultuosos dispêndios financeiros em obras públicas. Uma estratégia para as pessoas e não para os interesses, em que desenvolvimento sustentável não seja mais que duas palavras. A saber, e sem qualquer ordem de prioridade:
1- Revisão da Lei de Finanças Regionais, permitindo um estatuto fiscal à Região para avançar com uma «política fiscal verde»;
2- Taxa verde no turismo (1 euro por dia de estadia na Região, com o produto a ser aplicado na promoção ambiental);
3- Estabelecimento de contas geracionais – no planeamento e decisões regionais devem ser evidenciadas as contas geracionais, por forma a responsabilizar cada geração pelo que lhes diz respeito;
4- A haver incentivos económicos, que privilegiem o turismo rural e de natureza ou outras actividades económicas amigas do ambiente;
5- Promoção de uma classificação regional dos estabelecimentos amigos do ambiente;
6- Estratégia Regional para as energias alternativas 2005-2020, com uma aposta clara no hidrogénio;
7- Estudo Regional para o desenvolvimento sustentável;
8- Campanha de promoção internacional dos Açores verdes que assente não só na potencialidades naturais mas também nos produtos regionais amigos do ambiente;
9- Na atribuição de subsídios à agricultura privilegiar a vertente biológica e a diversificação agrícola;
10- Ensino obrigatório da educação cívica e ambiental no ensino pré-primário e primário;
11- Levantamento concelho a concelho das habitações que não cumprem a legislação anti-sísmica e das habitações devolutas e constituição com as Câmaras de sociedades de recuperação e reabilitação urbana para os respectivos centros históricos;
12- Constituição de corredores verdes nas cidades e qualificação dos espaços verdes urbanos como áreas especiais do espaço público para fruição de pessoas e famílias, incentivando à prática desportiva informal e de lazer para todos, em conjugação com as autarquias na criação de espaços adequados à prática desportiva informal, juvenil adulta e familiar, vulgo parques da cidade;
13- Planos de mobilidade urbana intermunicipais apoiados em transportes colectivos amigos do ambiente, com poderes efectivos de conciliação dos diversos PDM, como uma das estratégias para o combate ao transporte individual;
14- Em termos de financiamento público em equipamentos desportivos de uso público privilegiar os vocacionados para as actividades náuticas;
15- Criação da Inspecção Regional do Ambiente e reforço dos efectivos das restantes actividades relacionadas com a vigilância dos recursos naturais;
16- Sociedade anónima entre o Governo e as câmaras municipais para a transferência, triagem valorização e tratamento dos resíduos sólidos na Região, garantindo a recolha domiciliária;
17- Estratégia regional para a conservação da natureza e biodiversidade, com medidas, se necessário, à escala concelhia ou Intermunicipal;
18- Aposta na alteração das práticas de consumo enquanto benefício directo na saúde pública e indirecto no ambiente;
19- Regime jurídico da extracção de areias na Região, do domínio público marítimo regional, da Reserva Ecológica Regional, regime contra-ordenacional para a poluição da orla costeira e do mar;
20- Cooperação técnico-financeira com as juntas de freguesia para limpeza da orla costeira e com as associações ambientalistas e de agricultores para limpeza e recolha de resíduos nas pastagens e florestas;
21- Fixar orientações e metas públicas, anuais e plurianuais, sujeitas a avaliação para um administração que deve dar o exemplo em matéria de resíduos e de gastos energéticos;
22- Abate e exportação de carcaças de veículos e incentivos à compra de veículos movidos a energias renováveis;
23- Plano Regional e sectorial de requalificação das orlas costeiras;
24- Cooperação técnico-financeira com as autarquias locais privilegiando projectos intermunicipais – melhor aplicação de recursos regionais e comunitários com alteração ao nível da qualidade de vida dos cidadãos;
25- Revogação imediata do projecto das SCUT para São Miguel.

E pronto! Cá deixo a quem de interesse este contributo. Mas claro está que caso o considerem inexequível, sempre podem construir um aquapark em cada concelho, ao menos o povo divertia-se, e a mim restar-me-ia o Almada:
"As construções do Estado multiplicam-se a olhos vistos, porém as paredes estão nuas como os seus muros, como um livro aberto sem nenhuma história para o povo ler e fixar."

domingo, setembro 12, 2004

(Dis)paridades

«Quando é que as mulheres chegam ao poder?Quando for necessário varrê-lo!»

OS FACTOS
Esta infeliz graçola assaltou-me ao tomar conhecimento de que os partidos políticos regionais, PS e PSD, apresentavam nas suas listas a Deputados um número de mulheres que ronda os 30%. Contudo, o que começou como uma graça acabou numa soturna conclusão. Ao fazer alguns cálculos verifiquei que aquela percentagem será mais reduzida quando olhamos só para lugares elegíveis e, ainda mais, quando integrados os elementos do PSD nas listas coligadas.À distância de uns cliques pude, também, observar o seguinte:a) Em 2004 no universo dos 52 Deputados da Assembleia Legislativa Regional, apenas descortinamos 5 mulheres (todas na bancada do PS) . Ou seja, apenas 10% do parlamento regional é feminino (em 1991 quando visitei o parlamento sueco já as mulheres estavam em maioria);b) Em 2002 a população masculina na Região era de 118 121 e a feminina 120 646 ;c) Em 2002 a população activa masculina na Região era, aproximadamente, de 65 900 e a feminina de 37 800 ;d) Em 2001 a percentagem de funcionárias na administração regional autónoma era de 63% ;e) Em 2001 70% dos funcionários da administração regional autónoma com instrução superior eram mulheres ;f) Em 2001 dos 448 cargos de pessoal dirigente na administração regional autónoma, 241 eram ocupados por homens e 207 por mulheres .
O PENSAMENTO
O mundo nasceu masculino-feminino, mas desde então os dois sexos são separados e hierarquizados em favor do macho. Sobrevivência, trabalhos braçais e guerras tudo exigiu força. Da Idade Média aos nossos dias o detentor da autoridade pública foi: um padre encarnando a legitimidade espiritual do poder; um guerreiro capaz de esmagar o inimigo; um explorador colonizando terras virgens; um sábio iluminado pela luz da justiça; um engenheiro montando as rodas do capitalismo; um administrador na complexidade do Estado.A condição feminina, não obstante, evoluiu mais ao longo dos últimos 30 anos do que ao longo dos séculos anteriores. Considerando que as leis da natureza humana também evoluem, a velha fórmula da «lei do mais forte» está condenada. Deixamos a economia do músculo para entrar na do afecto. O novo poder é o da influência, com uma forma de dirigir inversa do método masculino: envolvimento afectivo mais do que racionalização, persuasão mais do que avanço em força, intuição mais do que rigor, consenso e não autoridade.A divisão de forças no palco social, económico, cultural e político inverteu-se, e o 3.º milénio apresenta-se feminino. Mudança de era, mudança de atitude, passamos da autoridade guerreira para a autoridade de concertação. Menos egocentrismo, mais federalismo; menos tecnocracia, mais sentido prático e acima de tudo mais tolerância e ética, são estas as marcas da nova geração.A questão da mulher deve, pois, ser entendida como civilizacional.
A ACÇÃO AFIRMATIVA
Face ao problema estrutural que a Região tem em relação a esta perspectiva de modernidade, impõe-se uma acção.Uma forma de superar os obstáculos descritos será de ir além do princípio da igualdade de oportunidades e dar um tratamento preferencial aos membros do género desfavorecido. Trata-se de uma acção afirmativa – ou discriminação positiva. Falo, claro está, da quota feminina que parece ter sido acolhida, a título indicativo, pela partidocracia regional, estipulando um patamar mínimo de 30% (recentemente algumas iniciativas legislativas na Assembleia da República pretenderam legalizar uma quota mínima de 33%). Aos olhos do mundo num espaço de 6 meses duas soluções foram postas em prática: em Espanha, Zapatero promoveu um governo paritário (50% homens, 50% mulheres); na Comissão Europeia Durão Barroso ficou-se pela quota dos 30% (8 mulheres em 25 comissários).Considero que a quota, embora possa representar a esperança mais forte de redução de antigas e persistentes desigualdades (os países escandinavos começaram por aqui), não deixa de ser polémica, seja quando escolhe elementos do sexo feminino em detrimento dos do sexo masculino, seja quando estabelece uma quota mínima de apenas 30% não espelhando a condição feminina da sociedade moderna açoriana. É legítimo presumir que 20% das mulheres açorianas abdicaram em favor de uma governação pelos homens? E que dizer daqueles homens que estão dispostos a abdicar da sua quota de 70% nas listas em favor de mais mulheres?Ora, qualquer olhar para esta questão deve ser integrado pela ética e não pelo jurídico, ou seja, esta polémica só poderá resolver-se face à ponderação dos interesses em causa. Se no contexto do objectivo geral da igualdade social uma maior representação das mulheres na política é incontornável face ao que já aqui se expôs, esse princípio e a sua aplicabilidade devem ser correctos na consideração dos interesses da sociedade açoriana, pelo menos nas suas aspirações.
O DESAFIO
Não tendo sido atingido este desígnio nas listas a Deputados estou em crer que o IX Governo Regional, considerado o número de secretários e directores regionais, não pode deixar de ser paritário, não para que haja um «mulheres ao poder» mas sim para que tenhamos «mulheres com poder». E, se para tanto puder ajudar, não me importo de ficar com a vassoura!

domingo, setembro 05, 2004

MENOS ULTRAPERIFERIA

Não nos chamem ultraperiféricos, somos Açorianos, logo Europeus. Aquele adesivo tem convencionadas raízes económicas, que passam pela «situação social e económica estrutural» da Região mas, também, fundamentos políticos, motivados pelo afastamento dos centros decisores europeus e pela falta de estratégia atlântica da Europa.Se, do ponto de vista económico, temos tido os fundos comunitários que nos incentivam à convergência, que caminho político, no entanto, se aponta para ultrapassarmos a outra vertente? Tem-se apontado a consagração no Tratado do estatuto da ultraperiferia e a sua efectivação nas políticas comunitárias, a criação e instalação em Bruxelas de um organismo que promova e assegure a defesa dos interesses regionais ou um lobby das ultraperiferias, como as panaceias para todos os males. Ora, salvo melhor opinião, estes serão passos importantes, mas não decisivos. Serão partes de um todo que deve passar por uma estratégia dirigida à valorização exterior da Região, à qual cabe um papel próprio, correspondente à sua realidade político-constitucional e à sua posição estratégica entre os continentes Europeu e Americano.A acção exterior das Regiões não pode interpretar-se como rival da política exterior do Estado, antes deve ser concebida com complementar daquele noutros níveis e, sobretudo, como uma dimensão inevitável do exercício da autonomia numa sociedade internacional cada vez mais interconexionada e aberta, onde as competências regionais adquirem uma crescente relevância além das fronteiras dos Estado. A acção exterior regional, em geral, e a participação na política comunitária, em particular, devem ser interpretadas, fundamentalmente, como uma melhoria no exercício da gestão pública. Pois não será mais lógico e razoável que sejam os representantes regionais a liderarem as discussões e negociações sobre a produção leiteira, a zona económica exclusiva da Região que se levam a cabo nas instituições comunitárias? Não será funcionalmente mais positivo que sejam os representantes do próprio nível político directamente afectado por uma determinada questão quem deve protagonizar directamente a defesa destas causas ante as instituições internacionais ou comunitárias representando certamente o Estado a que pertencem? O que haverá de perigoso para a unidade da acção exterior do Estado ou para a determinação dos seus interesses que os políticos ou os empresários de uma determinada Região possam contar com uma certa infra-estrutura em Bruxelas que lhes permita circular mais facilmente num meio desconhecido? Poderíamos continuar a dar exemplos, mas o objectivo deste texto é alertar para que se há necessidade de aplicar a lógica regional a todas as dimensões do Estado (unitário mas autonómico), também o devemos fazer à exterior e à comunitária, o que passa por um grande acordo político que ofereça solução a problemas que se vêm agravando desde há anos e que impedem, não só um correcto exercício da autonomia, mas uma correcta inserção do Estado autonómico na cena internacional, sendo semente para um clima de confrontação e desconfiança política. Se em Portugal a formalização deste processo nasceu de forma inovadora e escorreita em 1976, seguida em 1980 com a cristalização no Estatuto Político-Administrativo dos protocolos de colaboração em matérias internacionais, uma extraordinária conquista, dada a sensibilidade estratégica internacional dos Açores (nas sábias palavras de Álvaro Monjardino), tem-lhe faltado, no entanto, a maioridade, que passa por uma cooperação institucionalizada, a qual se não confunde com o trabalho que já se conseguiu no contexto de algumas negociações internacionais concretas. Trata-se da cooperação entre os órgãos regionais e as estruturas centrais de poder. Esta cooperação, real e efectiva, para que se dominem os dossiers e se tenha correcto conhecimento dos factos, tem de ser estabelecida sem complexos, de boa-fé e respeitando os canais competentes. Neste contexto, por exemplo, em Espanha, através da «Conferencia para asuntos relacionados com las Comunidades Europeas», com as respectivas Conferencias Sectoriales consoante a matéria e a Comunidade Autónoma, ou em Itália com a «Conferência Estado-Regiones», têm-se verificado, a nível europeu, uma multiplicação de organismos de composição mista e de acção conjunta, integrando representantes dos órgãos de governo central e regionais. Aqui, sem se destruir o modelo existente de pluralismo político e institucional cuja arquitectura fundamental passa pela consagração de um dualismo de poderes, central e regional, a articulação política do estado autonómico na contemporaneidade afirma-se, pelo desenvolvimento do que já foi apelidado de «verdadeira selva» de organismos mistos de consulta, ligação e cooperação entre órgãos de governo central e regional autonómico.A estatuição de reuniões formais periódicas entre o Estado e as Regiões Autónomas, onde a matéria europeia seja adequadamente tratada, desenvolvida e concertada na defesa dos interesses específicos destas, consagra uma prática administrativa, que prevê que a organização se desenvolva sobre a base do consenso associando em pé de igualdade as autoridades nacionais e regionais, podendo com a resolução dos desacordos sujeitas através da intervenção de uma Conferência inter-ministerial para a política exterior ou de um Conselho de Concertação, o que assegura, por outro lado, o maior debate e prévio acompanhamento das questões respeitantes à Região, na União Europeia e nos parlamentos nacional e regional, ultrapassando incumpridas e ineficazes leis da letra não passaram.Tudo isto obriga a uma auto-organização e prévio processo de concertação com os restantes sectores afectados, o que suportará um avanço democrático e um enorme enriquecimento em relação à situação actual, caracterizada, salvo raras excepções, por um papel absolutamente passivo dos parlamentos das Regiões Autónomas e em consequência das sociedades que estes representam (onde está, na Assembleia Regional, a Comissão Permanente de Assuntos Internacionais?). Não nos podemos esquecer que uma das principais manifestações do déficit democrático de que padece a União consiste em que determinados sectores desta a vêm como uma comunidade de administrações centrais, que deixa fora do processo decisório as demais realidades políticas e sociais que integram e são parte do Estado.Se um profícuo acompanhamento por parte das Regiões Autónomas da matéria europeia e da sua evolução tem hoje crescente justificação e utilidade, quanto mais não seja porque é manifesta a falência, ou insuficiência, do instituto de audição - podendo ser um instrumento útil e de efectiva co-participação e penetração das autonomias no Estado desconcentrado, é, e a prática comprova-o, um mecanismo de cariz ritualista, formal, desvitalizado, pouco considerado e respeitado pelos órgãos de soberania que dele fazem uma utilização a contragosto -, cremos ser, ainda, indispensável cimentar uma efectiva e institucional participação da Região, enquanto tal, nas instâncias da União Europeia, para conhecimento e defesa permanente e primeira dos seus direitos e interesses. Na verdade, no que se refere à participação directa das comunidades e regiões nas instituições e órgãos comunitários, salientamos o acordo de cooperação entre o Estado belga e as suas Regiões e Comunidades que organiza a repartição do poder de representação. Seguindo fórmulas imaginativas, que têm em conta o quadro interno de distribuição das competências entre as instâncias centrais e as autonómicas, distingue várias categorias de Conselhos: com representação exclusiva; com representação federal incluindo assessores das colectividades federadas; em que as colectividades estão habilitadas para representar a Bélgica com a assessoria federal; em que as colectividades se vêm autorizadas para representar em exclusivo o Estado.A maioria dos procedimentos de cooperação aqui descritos são aplicáveis sem necessidade de violentar a Constituição e a cláusula da reserva estatal das relações internacionais, nem as outras disposições do texto fundamental, relativas à direcção da política exterior pelas instâncias estatais centrais, constituem um obstáculo para a aplicação destas fórmulas, já que é ponto assente na doutrina que a consideração de certos aspectos das relações internacionais – os que não afectam o exercício do poder exterior enquanto tal, não acarretando consequências relevantes para a política internacional do Estado – são susceptíveis de beneficiar de um espaço de acção exterior das autonomias territoriais.Um acordo com estas características teria o valor extra de possibilitar uma participação mais dinâmica dos Açores, logo do Estado português, no plano internacional. Significaria a implicação directa da pluralidade de poderes político-sociais existentes no Estado num projecto de indubitável e inegável interesse nacional. Significaria, finalmente, uma mostra de que em Portugal o princípio da lealdade constitucional é um caminho de duas vias que pode ter assento entre nós. Sé, 27 de Agosto de 2004