domingo, novembro 14, 2004

ASSEMBLEIA XXI (PARTE 2)

Como concluímos em artigo anterior a Assembleia Legislativa apresenta-se diminuída na sua dimensão política, como centro de pensamento e de projecção autonómica, centro fiscalizador da actuação governamental e enquanto face visível da dimensão legislativa regional. Espartilhada em esquemas orgânicos e comunicacionais decalcados da estrutura executiva, a Assembleia, por natureza enroupada numa veste que para si coseu, está, no século XXI, manifestamente demodé.Servirão pois as presentes linhas para mostrar que algo diferente é possível e urgente. Num primeiro passo abordam-se as dimensões políticas que se apresentam a uma Assembleia moderna e num segundo momento fala-se de soluções técnicas possíveis.A componente política da Assembleia deve avaliar-se na sua projecção para o espaço regional, e na projecção para o exterior da Região. Assim é que, quanto à primeira, a Assembleia, como já tivemos ocasião de lembrar, falha claramente no seu relacionamento com o cidadão e com os pólos dinâmicos da sociedade civil açoriana. Não apresenta pontes comunicacionais, não promove a concertação além do que lhe está exigido legalmente, não se abre pedagogicamente ao eleitorado através dos órgãos de comunicação social. A não utilização das novas tecnologias ao serviço desta ligação merece uma atenção diferente. A «vexata quaestio» do Canal Parlamento tem servido para lançar muitas interrogações sem procurar saber do essencial: é, ou não, um factor de coesão regional e de sedimentação do processo autonómico a concepção de um Parlamento aberto? Queremos, ou não, um conjunto de processos que incentivem a concertação, o diálogo e a sustentação política da relação eleitor/eleito?Outro pilar da projecção interna da Assembleia é o papel que lhe cabe no pensamento autonómico: será admissível que passados 30 anos a Assembleia não se tenha munido de procedimentos de incentivo ao debate, pensamento e investigação autonómicos? A sociedade do conhecimento não surge do nada e necessita de impulsos concretos e eficazes. Onde está a concertação com a sociedade civil açoriana neste desígnio? Onde estão os frutos de um relacionamento com a Universidade dos Açores ou outros pólos de conhecimento? Não haverá todo o interesse para a Região que o pensamento sobre nós próprios se estruture e sedimente abrindo novas pontes, perspectivando novas fronteiras?Ainda no âmbito da dimensão política interna do Parlamento, avaliemos, agora, a sua capacidade técnica para fiscalizar a acção do Governo ou a sua capacidade para ser a face visível da concepção política da autonomia, ou seja, do processo legislativo regional. De que bases técnicas estará apetrechada para, sob o ponto de vista económico-financeiro, prosseguir uma avaliação rigorosa, e fora de exclamações partidárias, da execução orçamental e da sustentabilidade financeira da Região? Por outro lado até que ponto estará formatada para se não reduzir, em futuro próximo, a um assessor técnico das propostas legislativas do Governo? A ideia será, por um lado, encontrar a melhor forma de controlo das diferentes funções do executivo, num ambiente em que têm vindo a assumir-se, a ritmo acelerado, parcerias público-privadas, com um crescente aumento de desorçamentação. Em França já se chegou à conclusão que o parlamento não é capaz de ter um papel decisivo nas escolhas orçamentais definidas pelo Governo. Para isso, a Assembleia deverá encontrar a sua legitimidade democrática de representação dos contribuintes na verificação da transparência orçamental, no controlo da eficácia da despesa pública e na avaliação das políticas públicas. Controlar a despesa pública é retornar às origens das democracia parlamentar.Por outro lado, sabemos que a produção legislativa tem impacte sobre o quotidiano de todos os cidadãos e sobre a actividade das empresas e é um referente essencial da acção governativa. A necessidade de resposta da Região, através da produção normativa, às questões emergentes da globalização e do desenvolvimento tecnológico e científico deve, simultaneamente, permitir a estabilidade do sistema normativo. A simplificação e a qualidade da legislação estão, por isso, na agenda política das democracias europeias. Considerando que a revisão constitucional, abriu um leque de responsabilidades legislativas e regulamentares à Região, há como que uma obrigação em alterar o status quo. Assim, não estando dotada de um corpo especializado quer em áreas económico-financeiras, quer jurídico-constitucionais, comunitárias ou administrativas, pode a Assembleia assegurar a cabal densificação dos pressupostos da autonomia constitucional? Pensamos que não. Uma última dimensão política do Parlamento é a da projecção externa que a autonomia regional tem de granjear e cimentar, e que é de actualidade indesmentível. Não nos bastam assentos em reuniões dos parlamentos regionais europeus ou das regiões ultraperiféricas, se sobre a dimensão externa da Região e sobre os dividendos que dela podemos retirar não houver um pensamento uniforme e estratégico. Não nos bastam discursos bonitos, se antes deles não estiver todo um trabalho de alerta, recolha, discussão e objectivação concertada. A dimensão externa da Região é uma «parte de leão» do que aos órgãos de governo próprio compete, e, naquela que é responsabilidade da Assembleia, deve ser tratada com maioridade.
PROPOSTAS DE SOLUÇÃO.
1- O Gabinete de Relações Internacionais e Relações Públicas. A internacionalização das autonomias e a utilização privilegiada dos órgãos de comunicação social são realidades que o órgão representativo da autonomia regional não pode ficar alheio. Esse Gabinete, criado em 2000, mas insipiente na sua actividade, deve ter como competências fundamentais: a) Fomentar e assegurar a ligação a instituições, nacionais e estrangeiras, em especial aos órgãos institucionais da União Europeia, e a instituições regionais dos respectivos estados membros; b) Promover a divulgação das actividades parlamentares e cimentar laços junto das comunidades açorianas no país ou no estrangeiro; c) Fomentar a melhor divulgação da actividade parlamentar junto dos órgãos de comunicação social e destes junto dos cidadãos; d) Incentivar a formação profissional na área parlamentar.
2- Um serviço público regional de comunicação social. Ainda no plano da comunicação social a Assembleia deve assegurar junto da RTP e RDP Açores, transmissões televisivas e radiofónicas das sessões plenárias nos termos de um serviço público a definir em sede parlamentar.
3- A modernização dos canais de comunicação e informação da estrutura parlamentar: a) Os procedimentos de concertação entre a sociedade civil e o parlamento apresentando-se anquilosados, devem ser substituídos por um círculo virtuoso de prévia consulta e envolvimento das forças vivas da Região, não se devendo circunscrever aos casos legalmente previstos; b) O sítio electrónico da Assembleia Regional é o local privilegiado para o relacionamento directo com os cidadãos, devendo optar-se por, nele, criar espaços para a intercomunicabilidade com o Parlamento em geral e com os deputados em particular. É também o sítio onde toda a documentação estará disponível.
4- Uma Fundação para os Estudos Autonómicos, colmatando um desígnio que deveria ser da sociedade civil açoriana mas que está longe de ser cumprido, e que garanta: a) O incentivo aos estudos universitários das questões autonómicas (promoção de estudos comparados com a realidade política e sócio-económica da Região); b) A promoção de seminários e colóquios sobre as autonomias; c) O incentivo ao estudo da autonomia no ensino básico e secundário.
5- O Gabinete de Estudos Parlamentares, enquanto serviço especializado de promoção e estudo das matérias jurídico-legislativas e regulamentares que apoie em permanência a actividade normativa da Assembleia, nomeadamente: a) Verificando, relativamente aos textos dos processos legislativos e normativos que sejam submetidos à apreciação da Assembleia, o seu rigor técnico-jurídico, propondo as alterações que se mostrem necessárias; b) Efectuando trabalhos de estudo, investigação, informação e avaliação da repercussão na ordem jurídica dos actos normativos da Assembleia; c) Identificando áreas que devem ser objecto de intervenção legislativa; d) Elaborando estudos e emitindo recomendações com vista à simplificação e melhoria da qualidade da legislação e regulamentação em vigor; e) Analisando e propondo medidas que visem a maior acessibilidade da legislação, designadamente através da sua consolidação, compilação ou codificação.
6- Finalmente, o Gabinete de Acompanhamento da Execução Orçamental cujo objectivo é: a) Esvaziar as polémicas em torno dos números do Orçamento da Região; b) Acabar com a discricionariedade dos critérios de execução das receitas e das despesas; c) Aperfeiçoar o processo orçamental e garantir que as decisões políticas, indelegáveis da Assembleia sejam transparentes e melhor fundamentadas. Esta unidade orgânica pode ser consultada, em tempo útil e de forma objectiva e apartidária, para avaliar o andamento das contas públicas e o impacto das iniciativas legislativas nas receitas e nas despesas. Seria composta por um conjunto de técnicos independentes, idóneos e profissionalmente prestigiados. Os técnicos não fazem recomendações políticas ou ingerências nas tomadas de decisão. Apenas acompanham as contas públicas e fazem projecções de longo prazo das receitas e das despesas. A pedido dos parlamentares, este serviço neutro pode também avaliar quanto custarão as medidas que eles querem propor.
Acusam-me de megalomania? Não vou responder como o outro que «não sou megalómano, a Região é que é pequena», mas agarro-me ao facto de, até agora, ninguém me ter convencido de que não é possível satisfazer algumas destas prioridades. Como gosto de cultivar o contraditório cá vos deixo os meus «cantinhos»: guilherme_marinho@yahoo.com.br (ou) http://chaverde.blogspot.com/ . Até daqui a 15 dias!

domingo, novembro 07, 2004

ASSEMBLEIA XXI

Escrevo antes das eleições. Escrevo por contingência mas também porque o tema é independente do resultado eleitoral, pelos menos directamente. Pretendo falar-vos da Assembleia Legislativa Regional, contraditório? Não! Geralmente a perspectiva que é transmitida para os órgãos de comunicação social é a política, da relação do eleitor/eleito, da capacidade legislativa constitucionalmente consagrada, da importância do órgão político relativamente ao Governo Regional, do sistema eleitoral, contudo, pouco se tem escrito sobre a dimensão orgânica da Assembleia, ou melhor, da suas estruturas. A vertente física dessa questão é, como todos bem sabem, enquadrada pela declaração estatutária de que a sede é na cidade da Horta, havendo delegações nas restantes ilhas, infelizmente a Ilha do Corvo é a excepção à regra. Mas, e a dimensão administrativa? Que forma toma a Assembleia e como estará organizada e preparada para os embates da modernidade? Será que esta estrutura se reflecte ou condiciona a actividade parlamentar?Comecemos então por verificar qual tem sido a evolução da actividade legislativa na Assembleia.
Quadro 1
Legislaturas I II III IV V VI VII
PSD 11 13 5 6 7 18 16
PS 12 15 14 17 17 26 15
CDS - 15 3 2 4 15 7
PCP - - 3 10 3 10 10
Deps Ind - 1 - 3 - - -
Mesa - 1 1 - 2 - -
Governo 96 112 109 87 96 98 138
Total 119 150 133 122 121 150 177

Perante estes dados podemos concluir que, fora a II legislatura (1980-1984), os últimos dois quadriénios, e particularmente o que agora finda, foram de longe os mais produtivos, ainda que as despesas da iniciativa se tenham ficado, grandemente, a dever ao Governo Regional.
Quadro 2
VII Legislatura 2000 2001 2002 2003 2004 Total
PSD - 6 2+(2) 5 (1) 16
PS - 2 2+(2) 6+[1] 2+(1) +[1] 17
CDS - 3 (2) 1 (1) 7
PCP - 6 1+(1) 1 (1) 10
Deps Ind - - - - - -
Mesa - - - - - -
Total - 17 7 14 4 40
Governo 2 34 42+[1] 34 26 139Total 2 54 49 48 30 180
() Projecto Conjunto
[] Ante-propostas de Lei

Se a actual legislatura diferiu das restantes no número avassalador de propostas governamentais, já a produção dos grupos parlamentares esteve ao nível dos anos anteriores. Porque não evoluiu sabendo, por exemplo, que a restante actividade parlamentar continua a progredir a bom ritmo? Vejamos:
Quadro 3
VII Legislatura PS PSD CDS PCP TOTAL
Resoluções 22 23+(1) 16+(1) 20 82
Requerimentos 42 330 36 105 512
() Proposta Conjunta

Quadro 4
VI Legislatura PS PSD CDS PCP TOTAL
Resoluções 9 16 20 3 36
Requerimentos 41 297 46 18 402

Este quadriénio foi o mais profícuo em propostas de resolução e requerimentos dos Deputados e também foi o que mostrou que os Açorianos começam a encarar a Assembleia de um modo diferente, veja-se a subida exponencial de petições e abaixo-assinados que chegaram às mãos dos Deputados. Mas estará a Assembleia preparada para essa nova dimensão?
Quadro 5
1989 1990 1991 1992 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Pet. - - - - 2 - - 1 1 7 9 2 1
Ab. 1 1 4 5 - 3 7 2 5 4 4 1 1

A produção parlamentar nunca foi tanta, ainda que a iniciativa legislativa dos partidos mantenha um nível médio muito idêntico ao longo dos anos. Contudo, uma das críticas mais frequentes à Assembleia é de inépcia, inércia ou de ser pouco produtiva. Aliás, alguns dos «pais da autonomia» são recorrentes em criticá-la dizendo que no «tempo deles» é que se faziam leis. Estes comentários, infelizmente nunca desmentidos por quem de direito, são esmagados pela frieza dos números (vejamos as últimas duas legislaturas) e deverão de ser enquadrados no tempo. Será legítimo dizer que naquele tempo é que se arriscava quando estava tudo por fazer? Quando não existiam dezenas de acórdãos do Tribunal Constitucional a inquinar qualquer procedimento? Quando não havia uma produção legislativa europeia que condiciona, como agora, a capacidade legislativa nacional e logo a regional? Não faço, contudo, um exercício de réplica, não se pode negar que continuam alguns temas por tratar em profundidade, o arrendamento rural ou o domínio público marítimo, e nem sempre a quantidade corresponde qualidade, mas se existem alguns pecados maiores da Assembleia estes serão, seguramente, o de não ter encontrado fórmulas de divulgação ou de esclarecimento da sua actividade e o de não se ter adequado à modernidade procurando a inter-actividade e a concertação com a sociedade que a sustenta. Retomando a causa deste escrito, poder-se-á dizer, em bom rigor, que a Assembleia está apetrechada com meios técnicos e humanos que possam responder em permanência e com o ritmo e qualidade que lhe impõem do exterior? Está preparada estruturalmente para os desafios do século XXI? Sabemos bem que todos os Deputados não podem, nem devem ser, especialistas das técnicas legislativas ou das questões e dimensões técnicas cada vez mais apuradas onde hoje navegam as naus legislativas. Queremos políticos ou técnicos? Esta carência da natureza das coisas tem sido obviada pela produção legislativa do Governo dotado com alguns quadros que ainda lhe vão permitindo responder às exigências dos tempos. Atingimos o nó górdio do sistema. Se se quer que a Assembleia continue a ser a fiscalizadora política do Governo, se ela é a pedra toque da autonomia, como poderá ser capaz de proceder a esse desígnio? Nada mais impossível perante os quadros e o desenho estrutural disponíveis. A orgânica parlamentar é um sucedâneo dos departamentos governamentais e a ausência de quadros técnicos é assustadora. Os partidos políticos dando conta desta questão, tentaram colmatá-la com a criação de pessoal de gabinete, foi essa a natureza da iniciativa, mas foi um passo arriscado por o critério de escolha ter passado a ser mais a fidelização política do que as qualidades técnicas. Voltou o impasse.
Estas são, pois, algumas das razões porque a Assembleia chegou, a meu ver, ao seu ponto de esforço. Eis porque não considero a Assembleia estruturalmente preparada para os desafios da modernidade. Uma Assembleia moderna, com dimensão regional, e como principal órgão político regional, tem de rever os seus canais de diálogo e concertação com a sociedade açoriana, tem de ser potenciadora do pensamento autonómico através da promoção do seu estudo ou do seu debate, tem de se assumir como parceiro para a projecção política exterior da Região enquanto dimensão incontornável das prioridades político-económicas, e para tanto, deve, em suma, reformar-se estruturalmente. A estas dimensões e a propostas concretas tornaremos em próximo artigo. Até lá deixo-vos o meu espaço do contraditório: guilherme_marinho@yahoo.com.br ou http://chaverde.blogspot.com/