domingo, agosto 14, 2005

JANELAS ALTAS (III)

Para uma revisão Estatutária.

Quando o Decreto-Lei n.º 458-B/75, de 22 de Agosto, passados que estão 30 anos, instituiu que fossem «criadas para os Açores novas formas de administração, de si mesmas capazes de obviar à especialidade da sua configuração geográfica e humana» para «corrigir os profundos desequilíbrios existentes a vários níveis, e responder, pronta e cabalmente, ao desafio e às exigências que as novas condições de vida põem» ou declarou que a Junta Regional coordenaria «as actividades dos serviços periféricos dos vários Ministérios a nível regional, sub-regional e local com os serviços privativos das Juntas Gerais e das Autarquias Locais» longe estávamos, na consagração constitucional de 76, de um modelo maioritariamente dito como de Estado-nação que procurou impor sobre todo o espaço do seu território o mesmo modelo de pronto-a-vestir administrativo, atomicizando o espaço e homogeneizando as divisões segundo um modelo único. É assim que as regiões autónomas dos Açores e da Madeira têm de compreender, obrigatoriamente, freguesias e municípios. Ora, como já pudemos avaliar, esta imposição, mais do que os tradicionais benefícios do poder local, louvados e colocados em pedestal por muitos, trouxe à Região um polvilhar de entidades que, quanto a nós, constrangem o desenvolvimento sustentado e integrado.
É, contudo, a própria Constituição que abre uma porta para a solução, passando a dispor, a partir de 82, que nas ilhas a lei poderá estabelecer, de acordo com as suas condições específicas, outras formas de organização territorial autárquica.
Actualmente vislumbram-se as associações de autarquias locais e os concelhos de ilha como novas fórmulas de organização. Teremos encontrado, aqui, maneiras para obviar à inflação do poder territorial e da sua incapacidade de desenvolvimento integrado?
Penso que não, curioso é notar que, entretanto, tudo o que se pensou macro não existe ou está moribundo (salvo a honrosa excepção da GRATER). Não se ouvem, nem se vêm, actividades e projectos inter-municipais, de associações de municípios, e muito menos de associações inter-ilhas, não se sabe o que pensam, se pensam, ou quais os seus fins. Por cá a regra já nem é a ilha, agora assistimos ao concelho na ilha, à freguesia no concelho, ao lugar na freguesia...
Analisada a sua capacidade de intervenção, participação e contribuição para o desenvolvimento da Região constatamos que se ao nível das freguesias apenas se vislumbra uma delegação da ANAFRE, já quanto aos municípios o que não faltam na Região são associações, de São Miguel, do Triângulo, do Pico, e, claro está, a Associação dos Municípios da Região. Contudo, a face mais visível da AMRAA é o jogo do raspa, da AMISM a tentativa de fazer uma incineradora megalómana em São Miguel, do Triângulo só consta do papel, etc…
Outra forma de parceria que os órgãos de governo próprio poderiam encontrar para o desenvolvimento seria o concelho de ilha. Vejamos, contudo, como se desenhou e como o seu universo é pequeno.
O Conselho de Ilha é um órgão de natureza consultiva, logo não corresponde a uma forma de organização territorial, ficando o seu potencial diminuído na génese. Ainda assim lhe foram atribuídas, de boa-fé, certamente, um conjunto de competências que procuravam o desenvolvimento integrado: Fomentar a uniformização e harmonização das posturas e regulamentos das diversas autarquias; Incentivar formas de cooperação e colaboração entre as diversas autarquias e os respectivos órgãos e serviços; Apreciar, numa perspectiva de integração e complementaridade, os planos de actividade dos diversos municípios; Dar parecer sobre o Plano regional, designadamente numa perspectiva de ilha; Pronunciar-se, por iniciativa própria, sobre interesses específicos da ilha; ou então, emitir parecer, a solicitação ou por sua iniciativa, sobre: Sistema de transportes; Ordenamento do território e equilíbrio ecológico e Recursos hídricos, minerais e termais.
Ora, mau grado esta boa vontade, os concelhos de ilha têm-se limitado a reunir em reboque das datas das visitas estatutárias, funcionando mais como provedoria de ressentimentos, e menos como parceiro ou catalizador.
Por outro lado a própria composição do concelho de ilha entra em choque com as forças legitimadas pelo voto democrático, seja com a pluralidade de interesses territoriais de cada ilha, com claro prejuízo para as freguesias, seja ao impor aos Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da respectiva ilha que participem nas reuniões sem direito a voto.
Finalmente encontramos uma tutela administrativa que, face ao modelo imposto, patenteia níveis muito reduzidos de articulação com os diferentes graus de administração territorial, prevalecendo numa lógica de relações privilegiadas de carácter vertical e interno – maioritariamente de inspecção, característica de organizações administrativas pouco desenvolvidas - com influência directa na eficácia da economia e na concretização de políticas públicas.
Considero, pois, que estão esgotadas as potencialidades destas fórmulas, urgindo uma reforma administrativa territorial na Região. Sabendo que princípios constitucionais como os da subsidiariedade, da proporcionalidade ou da diferenciação não são estranhos à autonomia regional ou local, a formulação em rede de um sistema institucional de vários níveis, composto por uma pluralidade de ordenamentos jurídicos autónomos mas integrados, que entre eles actuem coordenados e em colaboração permanente, constituirá o ocaso das teses monistas e uma evolução fundada nas teorias do reconhecimento da pluralidade. O melhor espaço para este desenho continua a ser o Estatuto Político-Administrativo. As propostas seguem em próxima oportunidade.
Ponta Delgada, 30 de Julho de 2005

segunda-feira, agosto 08, 2005

JANELAS ALTAS (II)

Para uma Revisão Estatutária.
Questão pouco aflorada nas demandas estatutárias dos últimos 30 anos tem sido a das relações entre o poder regional autónomo e o poder local. A realidade autonómica fez com que princípios incontornáveis do Estado de Direito português coexistam nas nossas ilhas: o da autonomia regional, o da autonomia local e o da subsidiariedade. Contudo, a actividade político-normativa nacional e regional tem-se revelado inábil na conjugação destes motores do desenvolvimento, seja porque os conforma unilateralmente, seja porque molda, de forma impositiva, a autonomia local aos olhos de um território contínuo que não é o nosso. Acresce que, Portugal, esquecendo modelos históricos que representaram mais valias (v.g. uma das experiências mais bem sucedidas de aplicação do princípio da subsidiariedade à administração autárquica foi a do direito administrativo alemão onde os municípios só poderiam prosseguir atribuições no domínio económico se o objectivo visado não pudesse ser alcançado «por outrem», «melhor e em termos mais económicos»), esquecendo os princípios orientadores de qualquer reforma territorial (v.g. a de Mouzinho da Silveira em 1834), tem optado pela multiplicação do seu espaço administrativo territorial com os necessários custos organizativos e financeiros. A esta deriva alguns, entre os quais me incluo, atribuem uma quota de responsabilidade nos ritmos menos céleres e sustentados de desenvolvimento dos Açores. Note-se que, ancorados num princípio «the smaller, the better», a Região consegue, no quadriénio 2000-2004, criar 6 novas freguesias e planear um novo concelho para São Miguel. Ora, este tempo é, também, tempo de eleições autárquicas. Segundo dados do Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral, divulgados no passado dia 27 de Junho, na Região existem um total de 189 123 eleitores habilitados a votar nas próximas eleições. Analisando o mapa do Diário da República, podemos confirmar algumas curiosidades da divisão administrativa das nossas ilhas, a saber:
a) Concelhos com menos de 1000 eleitores: Corvo (340);
b) Concelhos com menos de 2000 eleitores: Lajes das Flores (1271) e Santa Cruz das Flores (1984);
c) Concelhos com menos de 5000 eleitores: Calheta (3522); Santa Cruz da Graciosa (3815); Velas (4515); Lajes do Pico (4354); Madalena (4671); São Roque do Pico (2813); Nordeste (4914); Vila do Porto (4520).

Ou seja, 11 concelhos, dos 19 dos Açores, têm menos de 5000 eleitores. Se a natureza das coisas implica que as circunscrições do Corvo, Santa Cruz da Graciosa e Vila do Porto não possam tomar outra forma, está por justificar a manutenção da divisão da Ilha das Flores em 2 concelhos (juntos não chegam a 4 mil eleitores), que as Velas e a Calheta de São Jorge não se juntem (não chegariam a 9 mil eleitores enquanto o Faial tem uma circunscrição única com 11 496 eleitores), que exista no Pico um concelho com menos de 3 mil eleitores, que o Nordeste não se junte à Povoação que apenas tem mais 500 eleitores (5421). Será a orografia a causa e o fundamento de todas as decisões? No século XXI as comunicações físicas e telemáticas já não fizeram ultrapassar todas as barreiras?
Se falar da fusão e extinção de concelhos é coisa que faz palpitar muitos corações e que pode originar justificações nos confins da História, olhemos, então, para as freguesias da Região com menos de 500 eleitores:
Angra do Heroísmo: Raminho (494) e Serreta (353);
Calheta: Norte Pequeno (235) e Topo (466);
Velas: Manadas (362);
Praia da Vitória: Cabo da Praia (464) e Quatro Ribeiras (460);
Horta: Capelo (395), Praia do Norte (220), Ribeirinha (366) e Salão (340);
Lajes das Flores: Fajã Grande (190), Fajãzinha (86), Fazenda (237), Lajedo (93), Lajes das Flores (447), Lomba (170) e Mosteiro (48);
Lajes do Pico: Calheta do Nesquim (337), São João (428) e Ribeirinha (372);
Madalena: Bandeiras (427) e São Caetano (457);
Santa Cruz das Flores: Caveira (73), Cedros (134) e Ponta Delgada (353);
São Roque do Pico: Santa Luzia (356) e Santo Amaro (290);
Lagoa: Ribeira Chã (427)
Nordeste: Achada (458), Achadinha (473), Santana (392), Salga (427), Algarvia (367)*, Santo António Nordestinho (356)* e São Pedro Nordestinho (303)*;
Povoação: Água Retorta (376) e Faial da terra (338);
Ribeira Grande: Calhetas (482) e Lomba de São Pedro (289);
Vila do Porto: Almagreira (398) e Santa Bárbara (442).
(* Criadas no quadriénio 2000-2004)
Segundo os dados disponíveis, cerca de um terço das Freguesias da Região têm menos de 500 eleitores (no Concelho das Lajes das Flores fazem o pleno), mas podemos acrescentar que outro terço tem menos de 1000 eleitores. Ora, sabendo que a maioria dos cadernos eleitorais está inflacionado por falta de actualização desde 1998 o grau de descrédito destas opções aumenta. Aliás, quem, sendo um pouco mais curioso, analise os Censos de 2001 verá que «algo vai mal no reino».
Voltemos ao campo dos princípios lembrando Platão, “a Polis não pode ser pequena nem grande, mas suficiente na sua unidade”, pelo que tem de crescer na medida compatível com essa unidade, suficientemente grande para poder atingir a auto-suficiência, para conseguir um poder, mas também suficientemente pequena para permitir a liberdade e a participação. Assim, a questão que se deve colocar a alguns concelhos e por maioria de razão a muitas das nossa freguesias é qual o seu grau de auto-suficiência, de poder, logo, de potencial de desenvolvimento?
Maneiras para obviar a essa inflação do poder territorial e à sua incapacidade de desenvolvimento integrado podem ser outras formas de organização. Actualmente, vislumbram-se as associações de autarquias locais ou os concelhos de ilha. Serão estes os parceiros necessários aos órgãos de governo próprio regional para uma estratégia global de desenvolvimento sustentável? E que nível de tutela sobre o poder local caberá à Região face às novas realidades, necessidades e prioridades?
Sé, 16 de Julho de 2005