domingo, outubro 23, 2005

JANELAS ALTAS (VII)

Para um revisão estatutária.

Perguntas que assaltam a mente de quem, repetida e insistentemente, ouve falar da cooperação do todo nacional e respectivos benefícios, são: Com quem cooperar? Como cooperar? E para quê cooperar? Este artigo pretende, com humildade, avançar com algumas respostas.

Cooperar com a outra Região Autónoma.
A delimitação, nas modalidades das relações de cooperação, da cooperação horizontal e da cooperação vertical oferece como primeira consequência a possibilidade de destacar a importância da colaboração horizontal entre as próprias regiões autónomas.
Na verdade, a mesma tem uma vertente preventiva que pode dispensar a cooperação vertical, ou seja, a intervenção do Estado em questões próprias do nível autonómico, uma vez que nem todo o interesse supra-autonómico é, necessariamente, estatal, podendo ser intra-autonómico.
A cooperação entre regiões autónomas pode contribuir para desenvolver relações de cooperação mais fortes entre o Estado e as Regiões. Como podemos verificar em diversos exemplos comparados este tipo de cooperação pode evitar processos de recentralização. O desenvolvimento das relações de colaboração horizontais pode gerar benefícios para as Regiões em sectores como infra-estruturas de comunicação e de telecomunicação, protecção civil, promoção turística e cultural. Além disso, estas relações de colaboração servem também para cimentar a posição das Regiões em processos de adopção de decisões estatais, reforçando a sua posição negociadora e de participação em assuntos relacionados com a União Europeia. Finalmente, podem ser uma via para melhorar a gestão dos meios técnicos humanos e financeiros disponíveis, acordando, por exemplo, compensações financeiras pela prestação de serviços conjuntos.
O auge das técnicas de cooperação na Europa nos últimos anos deve-se, em primeiro lugar, às instâncias territoriais terem de adoptar posições conjuntas em assuntos europeus para fazerem valer os seus interesses à administração central e participar, com ela, na formação das decisões nacionais sobre tais matérias. Assim, as Regiões subscreveram protocolos e criaram órgãos comuns para articular a sua participação na fase ascendente da definição das políticas comunitárias. Foi, ainda, a necessidade de conseguir uma execução coordenada do direito europeu, em certos sectores, que propiciou que as Regiões recorressem a técnicas de cooperação já reconhecidas em outros sistemas. Com clareza podemos distinguir três grandes tipos de acordos nestas matérias: a) de auxílio, que consistem em mero intercâmbio de informações e assistência mútua das partes; b) de coordenação, com o estabelecimento de critérios unitários que cada uma das instâncias deve desenvolver; c) de cooperação, que consistem na vinculação mais estreita pois representam um âmbito de autêntica co-decisão.
Uma das peças-chave para que se possam retirar todas as vantagens dos instrumentos de cooperação entre Regiões radica na existência de uma determinada infra-estrutura organizativa: em particular da criação e funcionamento de órgãos de reunião entre governos autónomos. Se é verdade que a colaboração é espontânea, a sua implementação depende e muito da existência de plataformas com funcionamento regular para onde se canalize a vontade de cooperar. Estes locais de diálogo impulsionam o motor da cooperação já que dinamizam o trabalho de conferências sectoriais e formalizam um elevado número de protocolos nas mais diversas áreas. Estes fóruns são, igualmente, úteis porque rompem a sectorialização em muitos casos excessiva dos processos de negociação, podendo contribuir para criar uma rede de relações a longo prazo e com ela consolidar os processos de cooperação. É esta estabilidade que propicia a implantação de uma dinâmica cooperativa nas relações entre diferentes instâncias, acima das conjunturas políticas e das trocas nos centros de poder inerentes à própria lógica dos sistemas democráticos.

Cooperar com a Administração Central.
Olhemos, agora, a cooperação vertical enquanto instrumento de integração e coesão e peça angular para um futuro bom funcionamento da nossa estrutura territorial autónoma.
Uma técnica principal para realizar cooperação vertical tem sido o mecanismo da planificação conjunta, por exemplo, na Bélgica, através da previsão de acordos de subscrição obrigatória ou facultativa consoante a temática. Este é, por muitos, considerado o mecanismo mais sofisticado de cooperação entre poder central e entes territoriais. Aqui se dá importância a modelos de actuação cooperativa (reuniões bilaterais com métodos de trabalho para definir objectivos de forma conjunta e corresponsável para a tomada de decisões sobre âmbitos concretos) e por outro lado, a diversos instrumentos para conseguir uma cooperação em cada sector (comités mistos sectoriais formados por membros de ambas as partes). Em todos estes sistemas são habituais as conferências onde se reúnem membros dos executivos de cada uma das instâncias. Trata-se de fóruns de encontro onde se examinam problemas comuns e se abordam soluções e se impulsionam novas técnicas de colaboração e cooperação. Entre estes órgãos destacam-se as conferências bilaterais sectoriais a que ocorrem os responsáveis máximos das respectivas áreas. Dotadas de respectivas infra-estruturas administrativas convertem-se em espaços onde se acordam posições comuns em âmbitos concretos, reforçando a participação das Regiões na definição das posições nacionais sobre determinado tema e, bem assim, quando se trate de matérias a discutir ante as instituições europeias. Em diversos países estes órgãos merecem uma avaliação bastante positiva uma vez demonstrada a sua capacidade para formular alternativas acima de orientações políticas diversas.
A criação de órgãos comuns também é uma alternativa. Estes órgãos são criados para gerir uma acção conjunta sobre determinado âmbito sectorial podendo apresentar estruturas diversas: a) órgãos de um determinado ente que cumpra funções delegadas pelos intervenientes integrando nos seus quadros internos representantes das partes; b) órgãos mistos constituídos de raiz como autênticas organizações comuns, com capacidade e autonomia administrativa e financeira, de carácter consultivo ou executivo com finalidades materiais específicas.
Os protocolos surgem como um instrumento mais usual através do qual se formalizam a colaboração e a cooperação quer horizontal quer vertical. A utilização e prática deste instrumento radica, basicamente, em dois factores: a liberdade que confere às partes para decidirem do seu conteúdo e das actuações que desejam e a enorme flexibilidade que introduz, pois, através dele, se podem abordar as mais variadas e inovadoras acções.

O contributo para uma melhor Autonomia.
Os procedimentos participados são espelhos de que a cooperação é alternativa à centralização. Se algo é perceptível nestes últimos anos é que a cooperação além de servir para incorporar as diferentes posições regionais nos processos de formação das decisões nacionais, também é sinónimo de participação, sobretudo, quando o parlamento nacional não é uma câmara de representação territorial, o que eleva a utilidade dos órgãos de colaboração fora o âmbito parlamentar. Assim, face às dificuldades dos parlamentos regionais conhecerem e controlarem as decisões e acções ou meios financeiros que se comprometem através da cooperação, pode-se optar pela previsão da obrigatoriedade de um avaliação prévia, ou posterior ratificação, em algumas áreas sensíveis.
A decidida aposta na construção de relações de cooperação mais fluidas e estáveis é, desde algum tempo, o caminho escolhido pelos sistemas políticos descentralizados mais avançados. A importância que oferecem as estruturas formais de cooperação, que aqui defendemos e propugnamos, seja com a Madeira seja com a administração central, através de Comissões Bilaterais e/ou Comissões Mistas Sectoriais, também se avaliará, assim, a médio prazo, no seu contributo para a necessária melhoria da capacidade de auto-governo da nossa Região.

Sé, 14 de Outubro de 2005

domingo, outubro 16, 2005

JANELAS ALTAS (VI)

Para um revisão estatutária.

Chegado é o tempo de abordar os mecanismos e instrumentos de cooperação pois que esta, entre nós, aparece difusa, dispersa e com falta de um ponto central de encontro. É conhecido que nos diversos sistemas de recorte federal existe essa peça de articulação que geralmente se encontra num Senado de natureza territorial e/ou nas conferências de presidentes dos entes territoriais. Se ambos os elementos estão ausentes do nosso desenho constitucional não é, contudo, de desconsiderar o seu carácter multilateral que põe em conexão simultânea as Regiões, e estas com o Estado, e o seu carácter bilateral que reduz o número de interlocutores a dois.
São diversos os mecanismos adequados para a canalização dos vários eixos, sejam com funções gerais de informação recíproca, sejam de relacionamento institucional para a prevenção de conflitos. Trata-se de articular a cooperação não só no campo administrativo mas também de verdadeira participação política. Ela inclui tanto a intervenção na função legislativa e regulamentar como nos grandes planos de âmbito estatal. Falamos de um terceiro nível da organização pública, de clarificar a responsabilidade política resultante da adopção de decisões. Este é, pois, um problema da autonomia democrática.
É sabido que em qualquer Estado composto, as relações entre as diversas instâncias territoriais em que se divide o poder devem assentar sobre a cooperação. É uma exigência da realidade, surgida por impossibilidade de compartimentar os sectores de actuação, mas, igualmente, uma necessidade estrutural de funcionamento do Estado autonómico, em relação ao cumprimento dos seus fins constitucionais.
Por isso, não deva pensar-se que a cooperação se estabelece em interesse exclusivo do Estado central, como elemento centralizador. Pelo contrário, as partes interessadas no desenvolvimento de relações de cooperação são as regiões autónomas, enquanto meio daquelas para influenciar as formulações de políticas estatais em todas as áreas donde possam concorrer os poderes e os interesses de ambas as partes. As técnicas de cooperação impedem o monopólio e marginalizam as decisões unilaterais, o que permite ampliar as responsabilidades autonómicas em campos susceptíveis de transferência de competências centralizadas.
É, sobretudo, no âmbito administrativo que surgem, actualmente, alguns mecanismos de cooperação criando, contudo, uma rede de inter-relações que tende a reduzir os parlamentos regionais a meras máquinas de ratificação de decisões pré-estabelecidas em sede executiva, produzindo uma complexidade de processos burocráticos que colocam em perigo real o parlamentarismo. Destaca-se, num primeiro momento, a necessidade de se evoluir para mecanismos parlamentares de cooperação (o actual regime de audição é uma norma esvaziada pelos procedimentos) destaca-se, ainda, a necessidade de aprofundar as iniciativas junto do parlamento nacional; a formalização de uma intervenção regional nas reformas constitucionais; e a avaliação parlamentar dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade das decisões comunitárias, etc.
Constata-se que as relações de cooperação em Portugal, diferentemente do restante panorama comparado, tomam um balanço pobre que impede o aproveitamento das reais virtudes do sistema autonómico.
Lembramos que as causas da aparição destes instrumentos de cooperação foram o crescimento das tarefas que os poderes públicos territoriais tiveram que afrontar e o alcance supra-territorial dos problemas que tiveram que resolver. Hoje em dia, actuações sobre âmbitos como a educação, saúde, ambiente, obras públicas e telecomunicações não podem encarar-se como sendo responsabilidade de uma só instância.
A primeira constante que se pode apreciar em todos os sistemas é o carácter espontâneo com que apareceram as técnicas de cooperação, em função das necessidades de funcionamento de cada estrutura. À luz da experiência comparada duas asserções parecem, contudo, claras:
a) A regulação jurídica das relações de cooperação só pode dar novo impulso se se tratar de uma regulação adequada à realidade, sem que se imponham obrigações inoportunas e condicionadoras da sua utilização, às partes;
b) O desenvolvimento de técnicas de cooperação só é possível se existe um clima de colaboração, ou seja, quando os próprios intervenientes tomam consciência de que a cooperação é uma necessidade para resolver os problemas comuns.
Assim, a formalização de técnicas de cooperação ainda que seja tecnicamente uma boa solução pode transformar-se em vazio se não existir vontade de cooperar (os artigos 82.º a 84.º do nosso Estatuto são boa prova disso).
Seguros que estamos que o estabelecimento de uma rede de relações de cooperação sólidas pode abrir novas perspectivas que permitam afirmar as posições da Região e o exercício coerente das competências do Estado e das Regiões, em suma, um melhor funcionamento do regime autonómico, em próximo artigo, trataremos das várias técnicas e dimensões práticas desta realidade.

Sé, 7 de Outubro de 2005