domingo, abril 23, 2006

ESTRATÉGIA (I)

Estratégia. A palavra na moda. Entrou no nosso léxico político e económico e está para ficar. Desde 2000, já muitos ouviram falar da Estratégia de Lisboa, poucos a conhecem, menos saberão que a ela se aliam, em 2001, as decisões do Conselho Europeu de Gotemburgo, ou que recebeu algumas reorientações, em 2005, com a chegada da Comissão Barroso. Talvez, por isso, não fosse mal pensado desmontá-la e perspectivá-la na Região, agora que nos preparamos para aprovar uma sua consequência directa, isto é, o Quadro de Referência Estratégico para a Região, trocando em miúdos, o quadro dos fundos comunitários para os anos 2007-2013.
É ponto assente que o nosso futuro, na Europa e no mundo, exige uma visão a longo prazo, bem como acções numa vasta gama de domínios. Tal como outros, precisamos de mais prosperidade e solidariedade para melhorar a nossa qualidade de vida e a das gerações futuras. Precisamos de crescimento e de emprego, de um ambiente menos poluído e mais saudável. Precisamos de uma sociedade mais coesa, em que a prosperidade e as oportunidades beneficiem toda a Região e se expandam além da sua dimensão arquipelágica. Precisamos de mais inovação, mais investigação e mais educação. A nossa prosperidade e qualidade de vida futuras dependerão, assim, da nossa capacidade de empenhamento em alterar os padrões de produção e consumo e em quebrar o vínculo entre crescimento económico e deterioração do ambiente. Teremos ainda de dar resposta às tendências mundiais claramente insustentáveis tais como as alterações climáticas e o consumos de energia, os riscos para a saúde pública, a pobreza e a exclusão social, o envelhecimento das sociedades, a gestão dos recursos naturais, o ordenamento do território e os transportes.
Através de uma abordagem pró-activa a União Europeia pretendeu com a Estratégia de Lisboa transformar a necessidade de protecção do ambiente e de coesão social em oportunidades de inovação, crescimento e emprego. Para tanto, definiu as alterações estruturais a introduzir nas economias e sociedades e elaborou um programa positivo de orientação deste processo de transformação para a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos. Esta visão confirmou a natureza tridimensional inerente ao desenvolvimento sustentável, enquanto pedra angular de uma estratégia a médio/longo prazo, ou seja, aquele objectivo só pode ser atingido se conseguirmos conjugar crescimento económico, inclusão social e protecção do ambiente.
O futuro da Região terá de ser considerado neste contexto global. O sucesso das políticas públicas assenta na eficiência dos instrumentos de execução e, mais em geral, no sistema apropriado de governança económica. Isso implica uma repartição adequada de tarefas entre a Região, a administração central e a local, uma coerência dos objectivos partilhados, um consenso e uma parceria entre os actores envolvidos, bem como, uma análise dos instrumentos de execução em termos integrados. Assim, é com naturalidade, e com a certeza de serem esses os caminhos europeus, que perspectivamos, grosso modo, uma estrutura tripolar para um Quadro de Referência Estratégico. Aí, teríamos, necessariamente, uma primeira rubrica destinada a promover a competitividade e a coesão para um crescimento sustentável. Esta por sua vez poder-se-ia desdobrar em duas subrubricas: a) Competitividade para o crescimento e o emprego. Que inclui as despesas em matéria de investigação e inovação; educação e formação; segurança e sustentabilidade ambiental; apoio a um mercado integrado (política de transportes aéreos, marítimos e rodoviários de pessoas e bens) e às políticas de acompanhamento; implementação de políticas sociais de empregabilidade; b) Coesão para o crescimento e o emprego. Com despesas destinadas a reforçar a convergência das economias menos desenvolvidas, complementando-as numa estratégia de infra-estruturas em favor do desenvolvimento sustentável e da cooperação inter-regional.
O segundo pilar poderá encerrar uma política de gestão sustentável e protecção dos recursos naturais. Aqui, complementando as despesas ligadas à política agrícola comum e à política comum das pescas, cobrir-se-ão as despesas ligadas ao ambiente, designadamente a estratégia integrada para os resíduos, a classificação, monitorização e fiscalização das áreas protegidas, etc.
Finalmente, um pilar para a cidadania, liberdade e segurança. Aqui se desenvolveriam as despesas ligadas ao reforço do pleno exercício da cidadania europeia: a relação do cidadão com o sistema político (o governo electrónico) e com a administração (as reformas da administração) a igualdade nas acessibilidades (programa de reforma e adaptabilidade dos edifícios e processos aos portadores de deficiência) a segurança do cidadão (investimentos em infra-estruturas e instrumentos indispensáveis à protecção civil).
Em próximas intervenções procurarei desenvolver com detalhe esta triologia estratégica, peço-vos paciência…

Sé, 16 de Abril de 2006

domingo, abril 09, 2006

BOA GOVERNANÇA

Esta semana fomos esmagados pelas novidades do Terreiro do Paço. Propaganda ou não, o que é facto é que apresentando um plano de 333 medidas para a desburocratização administrativa (SIMPLEX) e um modelo geral para a reestruturação e racionalização da administração directa e indirecta do Estado (Programa para a Reestruturação da Administração Central do Estado - PRACE) a República está a dar um sinal, muito forte, de que quer seguir o que há anos se anda a fazer no resto do mundo em termos de administração (v.g., nessa matéria, o livro Branco da União Europeia). Como tal, é natural, e quase indispensável, que não fique por aqui. Faltam-lhe outras vertentes, quiçá, as mais importantes, uma vez que é sabido que as propostas para uma administração no Século XXI assentam, fundamentalmente, em três variáveis: a qualificação e a qualidade; a descentralização; a desburocratização. Vou, então, procurar, aqui, enquadrar as actuais referências programáticas mundiais para uma boa governação nesses horizontes da administração nacional e regional.
Princípios.
São cinco os princípios em que se baseia a boa governança e que devem enformar quaisquer das alterações propostas: abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência. Cada um destes princípios é fundamental para a instauração de uma administração mais democrática. São eles que constituem a base da democracia e do Estado de direito, mas aplicam-se a todos os níveis de governo: global, europeu, nacional, regional e local, sendo particularmente importantes para que se possa dar resposta aos desafios da modernidade.
Abertura. Os órgãos de governo deverão trabalhar de uma forma mais transparente. Em conjunto deverão seguir uma estratégia de comunicação activa sobre as suas tarefas e as suas decisões. Deverão utilizar uma linguagem acessível à opinião pública e facilmente compreensível. Este aspecto reveste particular importância para melhorar a confiança em instituições complexas.
Participação. A qualidade, pertinência e eficácia das políticas dependem de uma ampla participação através de toda a cadeia política — desde a concepção até à execução. O reforço da participação criará seguramente uma maior confiança no resultado final e nas instituições que produzem as políticas. A participação depende principalmente da utilização, por parte da administração, de uma abordagem aberta e abrangente, no quadro do desenvolvimento e aplicação das suas políticas.
Responsabilização. É necessário definir as atribuições no âmbito dos processos legislativo e executivo. Cada instituição deverá explicar a sua acção e assumir as responsabilidades correspondentes. Mas é também necessária uma maior clareza e responsabilidade dos responsáveis políticos e de todos os que participam na elaboração e aplicação das políticas regionais, seja a que nível for.
Eficácia. As políticas deverão ser eficazes e oportunas, dando resposta às necessidades com base em objectivos claros, na avaliação do seu impacto futuro e, quando possível, na experiência anterior. A eficácia implica também que as políticas sejam aplicadas de forma proporcionada aos objectivos prosseguidos e que as decisões sejam adoptadas ao nível mais adequado.
Coerência. As políticas e as medidas deverão ser coerentes e perfeitamente compreensíveis. A necessidade de coerência é cada vez maior: o leque das tarefas aumentou; desafios como o ambiente e a evolução demográfica extravasam as fronteiras das políticas sectoriais em que a administração se tem vindo a basear; as autoridades regionais e locais estão cada vez mais envolvidas nas políticas da União Europeia. A coerência implica uma liderança política e uma forte responsabilidade por parte das instituições, para garantir uma abordagem comum e consistente no âmbito de um sistema complexo como o do espaço global em que vivemos.
Aplicação prática.
Cada um destes princípios é importante por si só, no entanto, não podem ser postos em prática de forma desgarrada e sem uma avaliação de qual o papel do Estado contemporâneo. A eficácia das políticas passa, primeiro, obrigatoriamente, por essa orientação prévia. Depois, por uma maior participação ao nível da sua elaboração e aplicação, quer na determinação de qual o nível administrativo mais competente, quer na avaliação dos processos e procedimentos mais capazes. A aplicação daqueles cinco princípios obriga, assim, a uma reavaliação dos papéis do público e do privado e reforça os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade. Um círculo virtuoso desde a concepção até à aplicação das políticas que obriga a que, antes de lançar uma iniciativa, seja fundamental verificar sistematicamente:
a) Se é realmente necessária uma acção pública;
b) Se o nível nacional, regional ou local se afigura o mais adequado;
c) Se as medidas escolhidas são proporcionais aos objectivos.

Consideremos que o âmbito e a actividade executiva na Região, também, estão a mudar. Consideremos que essa mudança deve acompanhar a reforma do papel do Estado. Que as suas tarefas deverão abranger, em futuro próximo, a fiscalidade, a política externa, a imigração e a investigação. Sabendo que a legitimidade da administração regional autónoma tem dependido da participação e do empenho das suas lideranças. Sabendo que, face às novas doutrinas, este modelo linear, em que as políticas são da exclusiva responsabilidade dos dirigentes, tenderá a ser substituído por um círculo virtuoso, baseado nas reacções dos interessados, nas redes e na participação a todos os níveis, desde a elaboração das políticas até à sua aplicação. Significa que, além da reforma da administração territorial, já por nós apontada, é fundamental a reforma do papel dos órgãos do governo da Região, da sua estrutura e dos seus processos. Querem maior desafio colectivo que este?

Sé, 2 de Abril de 2006