quinta-feira, junho 28, 2007

BAUDELAIRE, O HERÓI MODERNO

Este mundo adquiriu uma espessura de vulgaridade que confere ao desprezo pelo homem espiritual a violência de uma paixão. Mas há carapaças felizes que nem o próprio veneno seria capaz de atacar”. Charles-Pierre Baudelaire (1821-1867) ajustou a imagem do artista à imagem de herói, verdadeiro sujeito da Modernidade. Viver a Modernidade exige uma construção heróica transformando as paixões e a decisão como o romantismo transfigura a renúncia e a entrega, “podemos afirmar que, se todos os séculos e todos os povos tiveram a sua beleza, nós temos inevitavelmente a nossa”.
Assim, “vai, corre, procura”. O nosso herói “procura aquela qualquer coisa a que irão permitir-nos chamar modernidade”. Que Modernidade? O “transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável”. Que herói? O operário escravizado, o flâneur, o apache, o dandy, o conspirador. Todos – o poeta!
Nos primeiros anos de vida literária o objectivo era, simbolicamente, a conquista da rua “vejo-o voando à minha frente, rua abaixo, rua acima, a compor versos: nunca o vi sentado à frente de uma resma de papel”, os seus amigos admiravam-lhe a ausência dos vestígios burgueses do trabalho, e a rua tornou-se, cada vez mais, um refúgio. A fragilidade da existência material, e a sua consciência, tornam a miséria uma virtude do herói desapossado. O Flanêur. E, se as resistências da modernidade são desproporcionais ao ímpeto produtivo natural do homem, o suicídio é solução, enquanto paixão heróica que nada concede a um modo de pensar hostil. "Só precisamos abrir os olhos", é preciso declarar-se adepto de uma causa. O Apache rejeita as virtudes, a lei e o contrato social, “tive a imprudência de ler esta manhã algumas folhas públicas e, de repente, uma indolência com o peso de vinte atmosferas caiu sobre mim, e detive-me diante da pavorosa inutilidade de explicar o que quer que seja a quem quer que seja”.
O sonho heróico é embalado entre extremos. Há uma linha de continuidade entre o desprendimento e a grandeza. A Modernidade não está preparada para o herói oferecendo-lhe o ócio. Eis o Dandy, um “Hércules para o qual não há nenhum trabalho”, aquele que constitui “o último vislumbre do heroísmo em tempos de decadência”.
Baudelaire não gostou da sua época e assumiu todas essas “casacas”. A teoria da Modernidade aceita o Poeta como último herói que constrói a sua obra com a escória das grandes cidades, mas esse herói moderno não é herói – representa papéis de herói. Nos últimos dias, o “herói moderno”, que não podia passear tranquilamente pelas ruas de Paris, sentiu a aspiração à imortalidade e quis ser lido como um autor antigo “todo o livro que não se dirigir à maioria – em número e inteligência – é um livro tolo”. Com Baudelaire “Toda a modernidade é digna de um dia se tornar antiguidade”.

A ler:
As Flores do Mal, Charles Baudelaire. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, 1996
A Invenção da Modernidade – sobre Arte, literatura e Música, Charles Baudelaire. Ed. Relógio D’Água, 2006
A Modernidade, Walter Benjamin. Ed. Assírio&Alvim, 2006

Ponta Delgada, 22 de Junho de 2007

Publicado no Suplemento de Cultura do Açoriano Oriental

domingo, junho 24, 2007

IMPRESSÕES

Destino: Santorini - Grécia. Área: 73 Km2. Habitantes: 14 mil. O avião parte de Atenas com pontualidade exemplar. Vai cheio, perto de 100 pessoas, é o quarto voo doméstico de uma, das duas companhias gregas que mantêm ligações, diariamente, com a ilha. Por 20 minutos, o preço da passagem é quase igual ao que pagamos para Lisboa. Chegados, a pista só permite aterragens e descolagens para um lado mas, isso, não parece limitar os voos regulares nem os charters internacionais. A velha aerogare assemelha-se à maioria das infra-estruturas das nossas ilhas médias. À chegada, uma sala com casas de banho e uma só passadeira distribui as malas. À partida, seis balcões para check in e 4 gates. Quem arranja lugar senta-se. Ninguém reclama. Cá fora os autocarros e transferes aguardam os passageiros. As rent-a-cars nem espaços próprios ali têm. Avanço para a capital. Santorini tem mais de 100 unidades hoteleiras, nas escarpas brancas de Fira encontramos mais de metade, muitas com menos de 10 quartos. Assim cresceu a nova cidade depois de destruída por um sismo. Virada para uma enseada na caldeira do vulcão, avistam-se 3 navios de cruzeiro ancorados. Amanhã serão 4 ou 5 e assim, sucessivamente, todos os dias. Não há nenhum cais para acostarem, os turistas chegam, em lanchas, ao porto velho que serve os barcos das voltas turísticas à enseada. Para chegar ao cimo, onde está a cidade, usam-se burros, para quem gosta do pitoresco, ou o teleférico. O novo porto serve a navegação comercial e os ferries das companhias que navegam no Egeu. Atravessa-se, rapidamente, a ilha apesar dos mapas. Apenas uma via se pode considerar rápida, perto de 5 kms, a maioria dos parques de estacionamento são de terra batida. O que atrai tanta gente? O Sol, claro. Paisagens deslumbrantes? A vista para a caldeira é única, e do terraço do hotel vejo outras 13 ilhas. É suficiente? Não. Há algo que faz a estadia justificar-se por mais uns dias. A culinária grega servida com rigor e qualidade, conquista. Alia-se ao cuidado no servir mas, sobretudo, no integrar e promover o bem-estar. Falam várias línguas, muitos arranham o português graças aos muitos brasileiros que, deu para perceber, ali vão passando. O comércio é variado, encontram-se os melhores produtos com um atendimento solícito e multilingue. Destaco o aproveitamento dos recursos naturais. Vinho exclusivamente grego. Lojas de souvenirs em cada esquina vendendo especiarias, cerâmica ou apenas pedra-pomes que nós desprezamos. Sublinho a criação de programas e a preocupação de entreter o visitante: “Um pôr-do-sol único no mundo”. Pelas 21h milhares de turistas deslocam-se à ponta ocidental para avistar o famoso pôr-do-sol de Oia. Nunca viram nada igual. É certo, a maioria não vive em ilhas onde o pôr e o nascer do sol são sempre mágicos. A vila encheu-se de hotéis, lojas e restaurantes à conta disso. Mais abaixo, na baía de Amoudi, três restaurantes aviam os turistas dos cruzeiros com marisco e peixe fresco. Depois uma ida à cratera, com duas fumarolas, que se envergonhariam com as das nossas ilhas, e um banho nas nascentes quentes que me fizeram lembrar, mais uma vez, as nossas potencialidades. Destaco, finalmente, as zonas balneares. Os mapas apresentam dezenas mas a realidade faz-nos ver que até o mais simples calhau é indicação de praia. As famosas praias são melhores que as nossas? O mar não, seguramente. O que difere? As infra-estruturas de apoio. A concessão dos espaços balneares para exploração privada não incomoda os gregos, nem pode incomodar. É investimento, cria riqueza. O serviço é de qualidade. Nas vias, pedonais ou não, que contornam as praias vemos restaurantes, bares, esplanadas, todos sem horário e prontos a servir uma salada, uma sobremesa, um sumo. À noite passam a discotecas ocupando as hordas de jovens que ali se deslocam em férias. Tudo muito simples aproveitando a natureza, mas, sobretudo, ancorado no espírito empreendedor grego. É difícil não admirar aquela gente…

Sé, 10 de Junho de 2007