domingo, agosto 24, 2008

OLÍMPICO AMADORISMO

Entre a cruel realidade e a inconsciente expectativa. Com 12 dias de provas, a delegação olímpica portuguesa, a maior de sempre, composta por 77 atletas, apenas obteve uma medalha de prata e 16 pontos (em Atenas 2004, Portugal conquistou uma de bronze, duas de prata e um total de 43 pontos). Como se não bastasse, a cinco dias do encerramento dos Jogos Olímpicos em Pequim, o Presidente do Comité Olímpico Português (COP), Vicente Moura, precipitadamente, assume a derrota e anuncia o abandono, não resistindo aos falhanços dos “medalháveis” Naide Gomes, Francis Obikwelu, Telma Monteiro e Gustavo Lima, às criticas de Vanessa Fernandes, à falta de brio, de profissionalismo e de bom senso nas prestações e declarações de alguns atletas, mas, sobretudo, à fuga das medalhas que o próprio, inconsciente e incompetentemente, prometeu ao País. É que, por essa "promessa" (quatro medalhas e 60 pontos), o presidente do COP recebeu 14 milhões de euros, num contrato ("Projecto Pequim") assinado em 2005 (*). Por este contrato, o Estado comparticipou a verba que o COP canalizou para Federações, clubes, atletas, treinadores e despesas do próprio Comité, havendo desportistas que chegaram a auferir montantes de cerca de mil euros mês, durante 4 anos.
O que falhou? Falhou o Projecto Olímpico Português para Pequim e falharam os atletas enquanto homens e mulheres com um projecto individual. Falhou um Projecto, e neste caso, num “pormaior”, um projecto que pretendia representar um País. Tentando fugir da tradicional análise meta-psíquica da incapacidade portuguesa para grandes eventos, procurando cingir-me a factos, julgo poder declarar que, objectivamente, Portugal estava obrigado a conquistar medalhas nas modalidades a que histórica e geograficamente está mais ligado, tais sejam, o atletismo, o judo e a vela. Os primeiros, porque desde há 20 anos que há um esforço de base de muitos clubes que vão alimentando uma fornada de atletas com resultados internacionais. O terceiro, porque um país com a maior frente marítima da Europa não se pode eximir das suas responsabilidades na relação com o Mar, também no que ao desporto diz respeito. Ora, todas as medalhas, a mais, que viessem, eram bem-vindas, seja no tiro, seja na natação ou na canoagem. Mas isso não eximia os atletas da sua obrigação de obterem os melhores resultados da sua carreira. Como disse um jovem nadador após não ter, sequer, batido o seu recorde individual “não foi isto que eu vim cá fazer”. Verdade Olímpica! Mas será que alguma vez o país teve um projecto olímpico sustentado? Basta ver as erráticas prestações de quatro em quatro anos, em diferentes modalidades, ora ganhando uma medalha no atletismo e no judo, no ciclismo e na vela, ora perdendo nos jogos seguintes. Parece-me, pois, que esta delegação e estes resultados são o espelho perfeito de um país, construído com um conjunto de projectos individuais (seja no desporto, nos negócios ou na ciência), que se vão destacando nos últimos anos, com um esforço sobre-humano de modo a compensar o muito amadorismo que os rodeia, ainda que, para alguns, os apoios financeiros não tenham faltado. Eis a questão de fundo: o contínuo amadorismo que o país coloca no seu dia-a-dia, nas suas tarefas, nas suas obrigações. Uma negligência atroz em todos os aspectos relacionados com o mar ou com modalidades catalogadas de “elitistas”, que autoriza gastos faraónicos com estádios de futebol ou relvados sintéticos. Um grau de exigência diário quase iníquo e que não pode trazer frutos continuados, nem garante que, chegados os momentos decisivos, os atletas, alunos, cientistas, executivos ou decisores políticos, pequenos comerciantes ou empregados por conta de outrem, possam estar em condições de dar seu melhor. Responsabilidade individual, nula. Organização, medíocre. Resultados zero. Daqui a quatro anos há mais. Se ao menos aprendêssemos com os erros…

Angra do Heroísmo, 20 de Agosto de 2008

domingo, agosto 10, 2008

“TCHIM-TCHIM”

Não estarei a mentir se disser que, ao longo dos últimos anos, a questão da venda e consumo de bebidas alcoólicas a, e por parte de, menores de 16 anos tem sido uma das que mais tem ocupado o pequeno espaço público do debate, virtual ou em papel, nos Açores. E, parece-me, que esse debate tem sido sempre feito de modo consensual em volta da premissa de que o alcoolismo é um dos maiores flagelos na sociedade açoriana. É sinal de que há atenção e preocupação com o colectivo, mas, infelizmente, também, de que, com o passar dos anos, é assunto, ainda, por resolver ou, sequer, mitigar.
O acento tónico tem sido, correctamente, colocado na deficiente fiscalização e/ou na contradição de serem as próprias entidades públicas a promover iniciativas das quais a venda de bebidas alcoólicas a menores não está afastada. A própria Assembleia Legislativa pronunciou-se, recentemente, sobre essa problemática sem, contudo, a meu ver, encontrar soluções políticas e normativas eficazes.
O que mais faltará então? Onde procurar uma melhor regulação (formal) e/ou auto-regulação (orgânica)? Num justo caminho entre a responsabilidade pública e responsabilização individual, julgo serem preciosas, para um acordo colectivo de actuação, algumas conclusões sobre as seguintes possibilidades:
a) Constata-se que a maioria dos eventos são sustentados, logística e financeiramente, por entidades públicas, seja directamente, seja, indirectamente, através de sociedades ou associações com capitais públicos. Além disso, sabe-se que muitos desses "patrocínios" são, ou deverão ser, regulados por protocolos nos quais estão presentes os deveres e os direitos das partes. Será descabida a formalização institucional do entendimento de que não deverão ser alocados fundos públicos a eventos que disponibilizem a venda de bebidas alcoólicas, salvo justificadas excepções?
b) Em geral, conclui-se que as associações de municípios e de freguesias têm, frequentemente, nas suas deliberações, uma perspectiva do interesse público mensurável, quase em exclusivo, pelo ponto de vista eleitoral ou financeiro, parecendo incapazes de acordos de actuação em áreas que, efectivamente, melhoram a vida dos seus concidadãos. Estarão a AMRAA e a ANAFRE disponíveis para, em parceria com o Governo dos Açores, mudar o status quo? Alguém duvida que qualquer intervenção pública, em matéria de venda e consumo de bebidas alcoólicas, deve, previamente, assegurar que, sobretudo ao nível autárquico (câmaras municipais e freguesias), haja uma concordância e vinculação política quanto a princípios, meios e fins?
c) Finalmente, será descabido pensar que no âmbito das capacidades e disponibilidades do tão festejado e multíplice associativismo militante açoriano se podem encontrar soluções com cada uma das entidades locais públicas e privadas mais representativas, dando primazia às melhores práticas a seguir nas diferentes iniciativas que cada colectividade queira promover?
Recusando simplificações ou maniqueísmos, reafirmo que uma sociedade responsável não é uma sociedade asséptica, por isso tenho tido grande dificuldade em dar por adquirido que esta é uma batalha perdida. Será antes uma questão de vontade. Entretanto, os dias correm quentes…

Angra do Heroísmo, 05 de Agosto de 2008