domingo, setembro 21, 2008

DE MÃO BEIJADA

Quando, em 2004, o PS/Açores desenvolveu teórica e tecnicamente a solução para o problema de proporcionalidade do sistema eleitoral, através da criação do círculo regional de compensação, só, posteriormente, consagrado na lei eleitoral em 2005, foi notório o misto de gáudio e de alívio com que, na Região, a maioria das pequenas forças políticas o acolheu. Era compreensível, CDS/PP, PCP, BE, PDA, PPM e MPT, não só não tinham dado qualquer contributo válido para o debate e solução final como, em troca, foi-lhes oferecida, em bandeja de prata, uma mão-cheia de oportunidades políticas, que variava entre as provas de vida para alguns projectos e o salvamento de náufragos para os respectivos líderes. A potencial multi-representatividade política na Assembleia Legislativa foi, assim, outra das grandes mais valias democráticas oferecidas pelo círculo regional de compensação.
Verdade, muito esquecida, por uns, ou pouco lembrada, por outros, é a de que, raras vezes, se encontram exemplos em que o partido maioritário faz aprovar legislação que permite aumentar a representatividade de outros projectos político-partidários. No entanto, todas as minhas impressões vão no sentido de que, esta, está a ser uma oportunidade desperdiçada pela maioria das pequenas forças políticas, eventualmente, com consequências no redesenhar, a médio prazo, do panorama político-partidário regional.
Perdidos, durante os últimos quatro anos, em processos autofágicos e anacrónicos, em lutas fratricidas, em estratégias politicamente fraudulentas, zigue-zagueantes ou inexistentes, priorizando interesses pessoais, pontualmente demagógicos, circunstancialmente vitimizantes, subitamente, a um mês das eleições, muitos dos pequenos partidos, apresentam-se, pretensamente recauchutados, quase novos, após uma indolor cirurgia plástica, paladinos da seriedade e da ética, prontos para colher louros e frutos de algo que não tentaram, sequer, semear. Triste (des)engano!
Faltou-lhes, então, o «oxigénio» e o espaço? Não! Faltou-lhes a existência! Mais do que recursos ou projecção, faltou-lhes a têmpera, a análise, a crítica e a propositura, que, em quatro anos, não encontramos nos textos que, profusamente, fizeram publicar nos espaços de opinião, que todos os jornais da Região, felizmente, disponibilizam. Faltou-lhes a credibilidade nas pessoas e/ou nos projectos. Faltou-lhes a representatividade e dimensão regional. Daí que, a “salvação” dos pequenos partidos sempre tenha passado mais por eles próprios do que pela alteração do sistema eleitoral. Infelizmente, parece-me, poucos compreenderam isso, e, de novo, quem mais continuará a perder, somos todos nós. Talvez o Povo Açoriano tenha tido outra percepção, talvez os resultados eleitorais me desmintam. Talvez seja esta a única incógnita que me fica para dia 19 de Outubro …

Angra do Heroísmo, 16 de Setembro de 2008

domingo, setembro 07, 2008

CONTA CORRENTE

Dos recursos hídricos na Região: conexões, clarificações, indícios e soluções. Lembro-me de já ter escrito que uma das dificuldades no exercício de uma cidadania consciente está na capacidade do homem-cidadão acompanhar e, subsequentemente, avaliar a actividade dos responsáveis políticos que influenciam, com maior ou menor grau, o seu dia-a-dia. Assim é que, no emaranhado de competências dos vários entes públicos, freguesias, câmaras municipais, governo regional, governo da república e união europeia, muitas vezes não está claro ao cidadão a quem atribuir a responsabilidade pelo mau, ou pelo bom, que a vida ou a comunicação social lhe vai fazendo chegar. Seria tudo mais fácil se, possuindo uma grelha de bolso, o «bom cidadão» fosse diariamente acompanhando essa realidade. Mas não é isso que acontece e, frequentemente, se vai confundido competências municipais com competências regionais e vice-versa. Essa clarificação contribuiria não só para a eficácia das medidas como para a nossa capacidade individual/colectiva de avaliar o cumprimento, ou não, dos programas e modelos propostos.
Quero, então, propor-vos um pequeno exercício. É sabido, ou devia ser do conhecimento colectivo, que o núcleo essencial das competências dos municípios na Região se restringe aos seguintes 5 vectores: 1) o saneamento básico e os resíduos; 2) a habitação, ordenamento urbano e o urbanismo (onde se incluem equipamentos urbanos e o trânsito); 3) a educação primária e a acção social (creches, jardins de infância); 4) o desenvolvimento local e, finalmente, 5) a cultura e o desporto. Atribua uma avaliação Mau, Bom, Muito Bom à actuação sua Câmara Municipal em cada um destes 5 vectores. Depois estabeleça a média. Este pequeno exercício pode servir para ter uma melhor percepção do que realmente se anda a fazer, ou a não fazer, à sua volta e para perceber qual o grau de influência/eficácia de alguns entes públicos na sua qualidade de vida. Pode igualmente servir para estabelecer termos comparativos com outros municípios vizinhos ou similares.
Nesta sequência, fugindo ao eleitoralismo epidérmico reinante, terei sempre de reafirmar que a situação dos recursos hídricos na Região, como todas as questões relacionadas com os recursos naturais do arquipélago, só pode ser colocada numa dimensão supra-municipal. A falência financeira, incapacidade técnica ou incompetência política, de muitas câmaras, em garantirem soluções eficazes e sustentadas para a captação e distribuição de água na Região, não me faz rever o, sempre, ignorado apelo à diminuição da intervenção pública no quotidiano dos açorianos. Antes pelo contrário, vem reforçar e provar que essa intervenção se deverá, apenas, fazer em sectores prioritários e essenciais à garantia da nossa qualidade de vida. Face ao avolumar de informação disponível nesta área, permitindo projecções a médio e longo prazo, em consequência das alterações climáticas, hoje, ninguém poderá negar, que um dos sectores essenciais, para a Região, será o da água. Ora, dadas as insuficientes garantias municipais de devido acompanhamento a este assunto, o que propugno é a criação de uma empresa regional, associando governo regional, autarquias locais e capitais privados (num projecto regional de interesse comum mais do que em projectos locais de interesse comum), que permita, não só, a fiabilidade de todo o sistema de captação e distribuição de água, mas também, a protecção eficaz das nascentes e lençóis freáticos, a possibilidade de apresentar soluções ambiental e economicamente integradas, seja para o consumo domiciliário seja para as explorações industriais e agrícolas, a possibilidade de concretizar uma política social e ambiental através de facturações discriminatórias da poupança ou de agregados familiares numerosos e/ou desfavorecidos, e, finalmente, a possibilidade de prosseguir um plano regional de investigação, inovação e qualidade nesta área, designadamente, através da procura de novos sistemas de captação e de exploração de novas fontes, tais sejam, a dessalinização, as ligações à geotermia, ou às fontes submarinas. Para o bem comum, só espero que, um dia, não apareça, alguém, a cobrar esta factura…

Ponta Delgada, 02 de Setembro de 2008