domingo, fevereiro 22, 2009

DOM(ESTICADOS)?

Aprendendo com as lições dos outros. Segundo os contos da população local da Ilha de Guadalupe, nas Antilhas, a sueste de Porto Rico, os escravos mais rebeldes trazidos em barcos de África foram remetidos para aquela ilha enquanto os mais submissos foram levados para as explorações de cana-de-açúcar da Martinica.
Seja verdadeira ou não essa estória, reza a história actual que, depois de um mês de greve geral, a situação na Guadalupe parece não querer acalmar, uma vez que, a cada dia que passa, os “guadalupenses” dão mais apoio ao protesto contra o aumento do custo de vida.
Após reunir cinquenta mil pessoas no sábado passado, um colectivo de 49 organizações sindicais e associativas que retira a sua força da junção entre os meios político, cultural e económico, conhecido como Liyannaj Kont Pwofitasyon (LKP, Movimento Contra a Exploração, no crioulo local), garantiu que a paralisação vai continuar até que o governo francês atenda às exigências dos locais (entre estas constam a diminuição dos preços dos bens essenciais e um aumento de 200 euros do salário mínimo). Este movimento já alastrou, entretanto, à Martinica, em greve geral há 15 dias, e a Guiana e a longínqua Reunião, no oceano Índico, estarão, também, em fase de preparação para um protesto idêntico. Conjuntamente com a Guadalupe, estes territórios, constituem os DOM (département d’outre-mer) franceses.
Os dados oficiais confirmam que a situação nos territórios ultramarinos franceses é, no mínimo, explosiva: o PIB é metade do registado na metrópole e o poder de compra dos seus habitantes menos 35%. O desemprego na Guadalupe e na Martinica, cada uma delas com um pouco mais de 400.000 habitantes, oscila em torno dos 20%
Em Paris o Presidente Sarkosy acaba de anunciar um conselho interministerial do Ultramar e prepara-se para receber os representantes dos DOM. A criação de um conselho interministerial que ponha em prática a renovação das políticas nacionais para aqueles territórios fora uma promessa de campanha do presidente que tardava em ser cumprida. Das negociações que, entretanto, já decorreram com o Governo francês, resultou um documento de 131 pontos que terá repercussões imediatas na transparência e na baixa dos preços, na política de habitação, nos transportes, na formação, na saúde e na cultura. Mas, acabar com esta greve, não é acabar com esta crise.
O diagnóstico é que não se trata de um movimento epidérmico, mas de uma manifestação aguda alicerçada num tripé instável: a conjuntura económica desfavorável que grassa no planeta; o deficit estrutural da economia local e a crise existencial, ou política, do povo caribenho. Segundo os analistas mais representativos houve "um tremor de terra nas consciências, a sociedade de Guadalupe estava doente", identidade, poder de compra, desmantelamento sistemático das estruturas da sociedade crioula, eram sintomas de um mal-estar conhecido de todos, mas estavam a ser abafados pela classe política local e por um Estado paternalista. Ou seja, o conflito não podia deixar de ser político, mesmo que a questão da independência ou de uma mais vasta autonomia, ainda, não esteja a ser abordada.
Ora, o que revela a crise caribenha é um modelo de desenvolvimento económico esgotado porque se baseou, nos últimos 40 anos, somente em importações que alimentavam o sector do turismo, esquecendo o investimento nos sectores chave destinado à produção local e à exportação dos produtos endógenos. Este deficiente modelo económico era alavancado, fundamentalmente, pelas transferências financeiras da metrópole que, aumentando ano a ano, se justificavam na necessidade de dotar os locais de um nível de vida idêntico ao de Paris. Da plantação ao consumo, e daí ao hiper-consumo. Um triste fim pré-anunciado.
Hoje, nas palavras de Yves Jégo (*), Secretário de Estado francês para os territórios ultramarinos, “o além-mar precisa de amor. Mas um amor sincero que pressupõe um olhar lúcido e um discurso verdadeiro”, neste âmbito, o executivo francês considera aqueles territórios como “as guardas avançadas dos desafios do século XXI: o desafio ecológico (pela biodiversidade), o desafio marítimo (pelos recursos marinhos) e o desafio da diversidade (pelo universalismo cultural)“, assim, “O futuro da França e da Europa passa pelo além-mar”. Pois, pois, onde é que já ouvimos isto?

(*)http://www.lefigaro.fr/debats/2009/02/27/01005-20090227ARTFIG00002-guadeloupe-martinique-la-possibilite-des-iles-.php

Sé, 18 de Fevereiro de 2009